Comensalismo patriótico

Um poetrix que apresenta uma síntese sobre a condição geopolítica do Brasil em tempos de dependência econômica, política e ideológica. Com apenas três versos e menos de vinte palavras, o poema traça um diagnóstico duro e irônico da passividade nacional diante das grandes potências.

O autor já oferece ao leitor uma chave de leitura insólita: o termo “comensalismo”, vindo da biologia, descreve uma relação ecológica em que um organismo se alimenta dos restos de outro, sem prejudicá-lo nem ajudá-lo. Ao associar esse termo ao patriotismo, o poeta lança uma crítica direta à ilusão de soberania que esconde a submissão ideológica.

A metáfora do tubarão-tigre, “senhor da guerra”, representa com nitidez as grandes potências bélicas que nadam com força no cenário global, ditando regras, explorando, guerreando. Enquanto isso, as “rêmoras brasileiras”, pequenos peixes que vivem colados ao tubarão, são figuras que ilustram a dependência e a acomodação: seguem o fluxo, alimentam-se dos restos e nunca nadam por si. O termo final — “never” — em inglês, não é apenas uma ironia: ele aponta para um idioma global por excelência, revelando mais uma camada de alienação simbólica.

A força do poema reside na sua economia verbal, típica do gênero poetrix, e no uso de imagens densas e abertas à interpretação. Há uma combinação precisa entre lirismo e crítica, entre ironia e desespero. O poeta, como um entomólogo da linguagem, expõe o parasitismo simbólico que corrói o imaginário nacional.

Não há excessos formais: tudo é intencional e afiado. A sonoridade de “nada” — ambígua entre verbo e negação — tensiona ainda mais o verso do meio, gerando duplo sentido: o tubarão “nada”, mas a rêmora “nada”, no sentido de não agir, não existir, não ser.

O resultado é um poema que instiga e incomoda, como toda poesia política. Faz pensar — e repensar — o papel do Brasil no mundo e, principalmente, o patriotismo de conveniência que se esconde sob a sombra dos gigantes.

Miguel Júnior reafirma, com este poetrix, que poucas palavras podem conter mundos — ou melhor, relações de poder inteiras. É poesia com bisturi: discreta, mas cortante.

Boa leitura!

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