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Neste soneto inquietante, Miguel Júnior subverte a forma clássica para expressar um mundo interior e exterior em colapso. Intitulado “De cabeça para baixo ou um soneto amuento”, o poema já anuncia, com ironia e amargura, a inversão da lógica e da tradição — tanto no conteúdo quanto na forma.
Trata-se de um soneto formalmente reversível: pode ser lido dos quartetos para os tercetos, ou vice-versa, sem perda de sentido. Essa estrutura “de cabeça para baixo” reflete a condição do eu lírico, mergulhado num presente opressor, em que o passado colide contra muros e o futuro parece inalcançável. Em tom tenso e uniforme, o poeta registra, sem buscar consolo ou resposta, um instante de caos absoluto — pessoal, histórico e simbólico.
Com imagens densas e metáforas perturbadoras, como o “inferno mental de Nero” ou os “cacos do satanás”, o poema dialoga com a tradição literária (Dante, o soneto clássico), apenas para desconstruí-la. O resultado é uma peça lírica poderosa, que transforma o desalinho existencial em matéria poética viva, crítica e profundamente contemporânea.